#6 sobre associar ser amada com merecer.
estou exausta, mas não posso parar de performar porque não sei quem eu sou quando não estou realizando entregas e recebendo validação.
thought daughters de todo mundo uni-vos. nós, que meninas que não deram trabalho para os pais; mulheres que se tornaram all games, no fun e que pararam de beber em 2024. nós, que tratamos nosso corpo como máquina e quando ele falha com a gente nos sentimos um lixo.
está sendo um momento complexo pra mim.
como para todos que escrevem, minha escrita é o reflexo do que estou vivendo. só que meus últimos 15 dias foram uma avalanche emocional - como todo bom final de ano! kkkk
estava achando um máximo voltar a ser quem eu era com 14 anos com 20 rascunhos de textos escritos em diferentes lugares, escrevendo tanto que escrevo a mesma coisa 3 vezes e esqueço que escrevi. até eu perceber que tenho 20 rascunhos incompletos, todos clarice lispector e pessoais demais para eu disparar em uma newsletter sem aviso nenhum.
felizmente, eu sempre passo por um fenômeno criativo de todo conteúdo que eu vou consumindo formar uma ideia de tema na minha cabeça. além disso, estou sem redes sociais e consumindo conteúdo de qualidade - sem ser mastigado - o que melhora minha capacidade de ter e organizar ideias.
bom, no caso, estou em 70% de tudo sobre o amor e ouvi um episódio sobre ser mimada e sobre sociedade do cansaço (link de ambos ao final). o que tudo isso tem em comum? fadiga. fadiga emocional, fadiga generalizada. ouvir da terapeuta que meu maior problema sou eu. sou meu grande irmão. e que grande irmão hein!
o básico que não funciona
como vocês sabem, eu estou tentando seguir o básico que funciona. mas, como sempre, eu transformei uma jornada para o simples em uma coisa complexa-difícil-quase-inalcançável.
por que eu faço isso? por que eu torno tudo tão difícil pra mim mesma e tudo tão fácil para os outros? por que eu sempre escolho o pedaço menor do lanche ou o pedaço de torta mais feio quando estou dividindo com alguém?
foi um ano punk para mim, como é para todos recém formados. mas é de esperar que uma pessoa que pode administrar a própria rotina vai ter tempo para descansar, certo? errado.
minha auto cobrança está atingindo níveis exponenciais a ponto de eu achar que vou ficar maluca ou me autodestruir. eu não estou me aguentando, física e mentalmente. e além disso, eu me acho muito melhor do que os outros por estar me matando. como se eu merecesse algo, uma recompensa, uma estrelinha.
antes eu fazia uma brincadeira ou outra sobre amar agenda cheia para não ter tempo para pensar. e tudo bem, porque faculdade, morar sozinha, estágio, vida social, provas, tcc, todos os projetos acadêmicos que me enfiei, aulas de mais um idioma, tudo exigia meu tempo e minha energia.
mas agora formada, com 80% do meu dia livre, eu não me deixo em paz.
nos últimos meses, meus dias de semana eram sobre ir e voltar do escritório, fazer dieta, treinar, estudar duas horas por noite em uma pós que não sei se quero continuar.
nos finais de semana, continuava a rotina da semana: sexta a noite comia algo levemente diferente que não era uma refeição livre, não saía, via um filme que já vi antes, dormia 21:00, acordava 05:30, treinava 07:00, ia no mercado, limpava meu apartamento…
ou seja, eu via os finais de semana como uma grande oportunidade de adiantar meu trabalho: arrumar minha bagunça, fazer mercado, cozinhar, lavar a louça. meu trabalho era trabalho mesmo, oito horas no dia. também tinha meu trabalho nos treinos. meu trabalho nos estudos. lazer e paz? o que é fácil não me interessa!
eu estava trabalhando no meu trabalho e trabalhando na minha casa, 100% do tempo. e não entendia porque me sentia esgotada.
em terapia, eu chorei falando que queria poder pegar uma semana e fazer menos, entregar menos. minha terapeuta disse: então faz. e eu travei. não consigo, genuinamente não consigo desacelerar.
não consigo me dar descanso. físico, talvez, porque eu ainda durmo 8 horas por dia e tenho day offs dos treinos (que às vezes negligencio, não vou negar). descanso mental? não. meus livros que leio por hobby são de autoajuda. cursos de escrita, escrever em si, lavar louça, limpar a casa eram meus momentos de descanso.
performance x recompensa
presa na minha cabeça, na sociedade do cansaço, descrita em terapia como hiper vigilante, hiper estimulada, hiper independente, torturada pela simples ideia de não entregar 100% de algo, tentando entender tá, qual o básico então. me diz aí o que funciona. porque para mim nada está funcionando. estou cansada.
e por que eu faço tudo isso? bom, acho que cheguei no cerne de todos meus problemas que não é bem uma novidade: tenho um sistema interno de valores altamente descalibrado que se baseia em performance e recompensas. obrigada instagram, tiktok e influenciadoras digitais.
isso interfere em todas áreas da minha vida, mas em geral posso definir em uma máxima: só acredito que mereço *insira-algo-positivo-aqui* se minha performance é boa. ou melhor, não só boa: uma performance de excelência constante em que eu sou atriz e juíza.
sobre merecer amor
inclusive, associo amor à performance. lendo bell hooks eu entendi como só de associar amor (no sentido amplo, não só romântico, então com relação à família, amigos etc) com merecer já é problemático. mas ainda, não suficientemente, eu tenho standards elevadíssimos.
então (1) nada que eu faço vai ser suficiente. então (2) eu não acho que mereço as coisas, no caso: amor, cuidado, PAZ, etc. meio duro de dizer, mas é verdade.
é verdade também que acaba não sendo sobre amor, mas sim sobre poder. entre vulnerabilidade e joguinhos, eu escolho joguinhos - mais fácil e menos comprometedor.
numa edição da newsletter, eu escrevi muito que eu estava seguindo uma rotina tão X tentando atingir minha melhor versão que eu merecia alguém. isso grita não só-eu-não-acredito-que-mereço-amor-sendo-eu-mesma como nada-disso-que-eu-faço-é-por-mim.
A gente entendeu (nós mulheres) que vale a pena a gente negligenciar e sacrificar nossas vontades próprias, nosso próprio bem estar, em nome de servir o outro, o nome de atender as necessidades do outro porque é só a partir disso que nós seremos bonificadas pelo amor do outro. (...) Eu ganho não atendendo ao meu próprio desejo, eu ganho a partir do amor do outro. (...) O amor do outro é a recompensa pela minha flagelação. - Manuela Xavier (No Espelho - ep. “Eu quero ser mimada!”)
imagine a minha surpresa quando descobri que eu me trato mal tentando chegar nesse nível inatingível de performance. que não descanso, que me coloco em uma maratona eterna por ideais que não são meus. eu poderia acreditar que não sei o que é bom, mas claramente sei - já que faço pelo outro.
se houvesse um sistema de recompensas saudável comigo mesma, eu teria limites saudáveis, me daria descanso e ficaria com o pedaço maior do lanche. e o pior de tudo isso é escolher o pedaço menor todo fodido e esperar que a outra pessoa agradeça pelo pedaço bom - spoiler: ela não vai agradecer, mas todas as outras vezes vai esperar de você o pedaço bom. e vivam as relações unilaterais.
Fomos ensinadas a saber o que é bom, dar o que é bom para o outro e esse outro vai nos presentear com seu amor e gratidão. Como você é boazinha, como você é ótima, como você adivinhou que era o que eu precisava. - Manuela Xavier (No Espelho - ep. “Eu quero ser mimada!”)
fazer coisas boas por/para mim
imagine a minha grande surpresa quando cheguei na minha melhor versão e ninguém bateu na minha porta com flores, prestes a me pedir em casamento e me fazer um pix milionário. quando eu percebi que, se tirar o que eu entrego em uma relação, talvez ela deixe de existir porque ela é uma via de mão única: eu entregando, o outro utilizando o que eu entreguei. e é isso.
grande conclusão: é possível seu diploma não ser seu, sua aparência não ser sua, seu trabalho não ser seu. tudo isso porque você está fazendo tudo isso pelo outro, para ser visto pelo outro, para receber algo do outro. e se você faz algo pelo outro, nunca vai ser suficiente.
é revolucionário eu fazer algo genuinamente por mim. de decisões grandes a uma pausa para um café superfaturado. passar as noites de uma semana inteira assistindo the oc e deixando a louça para depois. sem culpa. sem expectativas. sem pensar demais e sem me sentir mal sobre.
descansando.
Nada vai ter valor para as mulheres enquanto o amor do outro for recompensa. - Manuela Xavier (No Espelho - ep. “Eu quero ser mimada!”)
nenhum outro texto poderia ter sido mais sabiamente enviado até mim do que este. confesso que me deparei com essa autorreflexão há algum tempo, e tive o momento da virada de chave. hoje consigo facilmente descansar sem sentir culpa, assim como consigo enxergar melhor o que faço por mim, não pelos outros. mas já estive em seu lugar, sei que não é tão fácil sair, mas, acredite, é possível. apenas sente no sofá, veja uma série, não vá para a academia hoje, responda aquele e-mail depois (se não for algo urgente). faça mais por você! esse texto me fez bem, me fez lembrar que venci eu mesma, a eu que achava que precisava merecer sentar no sofá; a eu que achava que precisava merecer acordar 30 minutos mais tarde; a eu que se cobrava tanto ao ponto de chegar a um burnout. neste momento, estou no sofá da minha sala, com o tablet no colo, uma série na tv, ouvindo a chuva cair, com um pijama confortável e uma xícara de café com leite. se fiz algo para merecer, não sei. mas cá estou, descansando :)
Nós mulheres em busca de validação e amor alheio, ignorando os nossos próprios anseios e vontades e perfumando (ou tentando performar) uma imagem de perfeição e hábitos a serem valorizados por outros, para outros. Que texto, estou, pela primeira vez em muito tempo, sendo “egoísta” e tentando fazer por mim, decidir por mim. Obrigada por compartilhar isso e parabéns pela escrita💜