#25 o problema é que vocês dão palco para maluco
bebê reborn, alfabetização midiática e CPI das bets
quando você age surpreso por ver a virginia em uma cpi que investiga os contratos de casas de aposta com influenciadores, espero minimamente que você: (1) não siga ela, (2) não siga páginas de fofoca, (3) nunca tenha entrado no perfil dela.
como não desconfiar de uma influenciadora multimilionária, casada com um individuo de uma família multimilionária, que mesmo assim faz publicidade para casas de apostas? que ganha uma quantia com no mínimo seis casas por mês para se mostrar apostando e ganhando em 3 stories em vídeos claramente manipulados?
se você passa trinta minutos falando da absurdidade que são as pessoas cuidando de bebês reborn, espero que no mínimo você tenha visto uma na sua frente. caso discorde, segue o post no instagram que mudou minha opinião sobre:
comparar esses dois fenômenos me passa a impressão de que as pessoas não dão uma dimensão social ao que elas veem na internet.
não é só sobre o juízo de valor: bom x ruim, interessante x desinteressante. dando um passo a mais, pode ser sobre pegar o acontecimento e comparar sua importância com outros. contextualizar, pensar no backstage - e chegar no jogo de poder envolvido.
as pessoas não colocam os influenciadores e pessoas digitais no lugar delas, de vendedores em uma economia cada vez mais voraz, que lucra com os defeitos e inseguranças do consumidor - que ela mesma implanta nele. é um ciclo retro alimentável.
a tal das bets
de qualquer forma, já faz alguns anos que influenciadores grandes divulgam casas de apostas usando gravações de tela, fingindo clicar na tela - o que, ao meu ver, não é só publicidade enganosa mas configura o crime de estelionato: usar de meio fraudulento (vídeo fake) para obter vantagem ilícita (receber a famosa comissão quando o usuário usa a plataforma por indicação dele) - ou, sei lá, jogando de verdade e ganhando de verdade na primeira vez sem mostrar que a dinâmica das plataformas é perder tudo nas próximas (o que é, além de mau caratismo, publicidade enganosa). também tem a teoria de que os influenciadores ganhariam uma porcentagem em cima das perdas das pessoas - o que eu não sei nem dizer qual crime seria, de tão pavoroso.
era de se esperar que um mercado de apostas seria reprimido em um país na situação socioeconômica do brasil, com pessoas vendendo o almoço para comprar a janta, certo? errado. o que aconteceu foi que as bets não foram vistas como um problema em um primeiro momento e foram regulamentadas há muito pouco tempo atrás. para, meses depois, abrirem uma cpi para investigar os influenciadores e empresas envolvidas nesse mercado.
o questionamento que eu acho relevante ser feito é: em um país em que pessoas sobrevivem com um salário mínimo, para quem será que é interessante fazer uma publicidade enganosa e influenciar pessoas a apostarem o dinheiro do almoço? bom, para os donos das empresas. depois da regulamentação, para o governo que poderia cobrar impostos em cima disso. e, claro, para os grandes nomes da influência digital, com seus contratos milionários.
só que nada disso foi um problema até agora. não se falou disso aqui no interior de são paulo - e não estou sendo irônica. toda vez que eu falei da minha revolta com a possibilidade de influenciadores divulgarem plataformas de apostas - e eu já falei em muitos lugares - as pessoas deram de ombros, porque tanto divulgar essa atividade como efetivamente apostar, seriam escolhas individuais e não um problema social. e não uma demonstração da inversão de valores na nossa sociedade.
já a questão de levar um bebê reborn para ser atendido em uma unidade de saúde virou assunto por aqui.
só se falou disso no meu almoço de família (não é brincadeira).
por que? pelo choque que é uma pessoa acreditar veementemente que uma boneca é gente? ou, por supostamente uma pessoa em suas perfeitas condições mentais agir dessa forma para registrar tudo, subir no titkok e ganhar audiência? não quero diminuir a situação. compreendo que algumas pessoas nesse situação possam realmente precisar de ajuda e estão passando por algo que não consigo entender. e outras podem sim ser aproveitadoras do palco que é a internet - como tantas e tantas outras.
ficar chocado pela internet ser um palco é tão fora de moda. literalmente, as estatísticas de que grwms que tem nudez parcial rankeiam mais existem. não me chocaria saber que depois que essa estatística saiu, os conteúdos com nudez parcial aumentaram (não tenho essa informação, mas ao meu ver não diminuíram). gravar o dia a dia de crianças e expor elas online gera um engajamento gigantesco - então isso vira linha editorial. meninas de 16 anos agora não fazem mais merda na escola, em festas, no privado: elas tornam as picuinhas públicas e geram uma comoção nacional sabendo que tudo será esquecido em 1 mês, então é bom aproveitar o hype.
essa é a lógica da maioria das pessoas que trabalha produzindo conteúdo na internet: não medir exposição ou intimidade, só gerar assunto. o problema são essas pessoas? talvez. mas os criadores são 1% em comparação com os consumidores. então, trago a triste notícia: o problema somos nós, meros mortais.
o problema é que a grande maioria da população dá palco para maluco. sem audiência, não existiria virginia nem mães de bebês reborn.
existe uma coisa que chama alfabetização midiática. em um primeiro momento, é sobre entender a concentração de poder com relação aos veículos de informação/às mídias e o reflexo disso na circulação da informação. segue o vídeo (em inglês) que me ensinou sobre o assunto aqui.
mas, quando eu penso em alfabetização midiática eu não consigo não pensar no relacionamento das pessoas com as redes sociais que são mídias que embora tenham sido em um primeiro momento criadas para serem um espaço de conexão entre pessoas - como o nome diz, ‘sociais’ -, viraram um ecommerce, uma vitrine virtual de pessoas, coisas e estilo de vida.
pode ser sobre entender que o conteúdo que você consome é pago para ser criado. nada está em um perfil a toa. em um perfil grande, até o que não é sinalizado como publicidade e é organicamente inserido no dia a dia vira uma publicidade porque influencia quem está assistindo. marcas viraram cultos e pessoas viraram objetos, cujos traços de personalidade viraram comodities. segue indicação de vídeo (em inglês) para aprofundar o pensamento: aqui.
vamos entender que existem fios nas marionetes. se uma coisa criada sem fins econômicos agora tem fins econômicos, se existe um mercado de influência, se agora existe a opção ‘comprar’ tanto no instagram quando no tiktok, acho que chegou a hora de assimilar que nada é desinteressado e o grande objetivo é fazer você consumir.
hoje em dia ao mesmo tempo que parece que todo mundo é formado em marketing com esse papo de marcas pessoais e instagram profissional, as pessoas fecham os olhos para as coisas. como fazer alguém comprar algo? criando uma necessidade. sempre de uma forma bonitinha? não. esse é o capitalismo neoliberal: você vai sentir necessidade de consumir, nem que para isso seja necessário gerar em você gatilhos negativos como se sentir inadequado, infeliz, desconectado e tornar o produto a solução para esses problemas.
o problema é que viramos reféns de algoritmos programados para segurar nossa atenção a qualquer custo, mesmo que seja por highs and lows de dopamina (vídeo feliz, vídeo triste, vídeo assustador, vídeo feliz, vídeo que deixa com raiva, vídeo feliz). no final, tudo é tão anestesiante ignoramos o que realmente sentimos quando vemos as coisas. sentir, em um primeiro momento. e no segundo momento: tentar entender e racionalizar a experiência.
eu acredito que não adianta fazer um detox digital e continuar consumindo conteúdo de páginas de fofoca, de influenciadores pavorosos, de pessoas com um estilo de vida que te fazem sentir um lixo. assistir muitos hauls de compras, salvar todo santo dia uma coisa nova na sua wishlist. consumismo desenfreado. vi um tiktok falando sobre como as pessoas perderam a noção do valor do dinheiro, fazendo festas com vinte bolos, por exemplo. ta, mas o que tem a ver eu assistir essas coisas? qual o problema? e o que a virginia e as mães de boneca tem a ver com isso?
o segundo problema é que tudo isso reflete os valores da nossa sociedade.
pode acreditar que se existe alguém que cuida de uma bebê reborn e posta, existem pessoas assistindo. não vou nem entrar no perfil da virginia para ver os números de audiência dela para não ficar chocada. todo mundo, repete comigo, por favor: não são escolhas individuais. essa performance, esse espetáculo todo é social. e, sendo sociais, se tornam problema de todo mundo. olha só que coisa.
mais uma vez, não estou falando que só existem coisas ruins nas redes sociais e no mercado de influência. só não adianta ser ingênuo: abra suas contas sabendo que a maioria daquele pessoal ali quer uma coisa de você: seu dinheiro.
depois de todo esse papo
fica a indicação de um vídeo bem calminho pra relaxar a cabeça. esse tipo de conteúdo digital eu cosnumo e divulgo sim:
oiii gente. essa edição foi escrita do fundo da minha alma!!! espero q gostem
s2
Oi Maju! me sinto muito feliz por não ser a única que não normaliza esse tipo de conteúdo nas redes sociais. Parece que estamos remando contra a maré e tudo que sabemos é contra a nossa vontade, não é mesmo? E o pior, a sensação que tenho é que os alienados somos nós, já que tudo que sai da nossa boca contra a Vírginia "é a nossa inveja gritando".
FALOU TUDO !!! A culpa é da blogueirinha ou da audiência? Tudo da internet se resume em exposição, engajamento que leva para a "fama" e quem dá isso a estas pessoas ? Pois é...