#15 uma água com gás, limão e gelo, por favor
sobre ser a introvertida chata que parou de beber e todas as justificativas que eu tive que inventar para uma escolha pessoal
essa aqui é uma edição que faz jus ao tema Isso não sou eu. ela está escrita desde novembro, eu acho. e apesar de hoje eu não me sentir exatamente como eu descrevi quando escrevi (viva a transitoriedade da vida!), não quero fazer modificações significativas no texto, então só fiz umas inclusões. essa semana eu não ia publicar nada. estou na casa dos meus tios, aproveitando tempo com eles e com a minha avó. e talvez seja daqui mesmo (um lugar de conforto absoluto) que eu queira tocar nesse assunto. disclaimer: menciono álcool e crises de ansiedade de modo superficial. no entanto, caso seja um tema muito sensível para você, aconselho ler as outras edições da newsletter :)
minhas idas a festas e bares diminuíram drasticamente. embora optar por reuniões como almoços, corridas, cafés da manhã - eventos diurnos, de qualidade, não necessariamente envolvendo bebidas alcoólicas - seja uma tendência de comportamento global, a sobriedade pra mim envolve outras questões, algumas morais mas é mais sobre essa cadência de acontecimentos que se repetiu algumas vezes:
sair de casa pensando dizendo “nossa nem vou beber hoje”.
me encherem o saco para eu beber porque “nossa, nem uma cerveja?”, já que pessoas-legais-bebem.
eu cedo. mas não consigo beber 1 drink só.
bebo 3, 4 drinks. fico bêbada.
começo a me importar muito com a percepção dos outros sobre mim. tento performar algo de certa forma.
ressaca física todos dias seguintes.
ressacada moral em 90% dos dias seguintes. poxa, por que eu fiz isso. por que eu não fiz tal coisa.
crise de ansiedade tremenda ocasionalmente. mas quando vinha, era a coisa mais bizarra do mundo.
chega.
quero me desvincular desse ciclo. não sinto FOMO, mas sinto um pouco de culpa. culpa tanto por não ser “normal” como por não ter tomado essa decisão antes: escolher a dedo onde e com quem quero estar. chega uma hora que querer ir em qualquer lugar - porque só é lembrado quem é visto - cansa.
ainda sobre estar sóbria, para mim é meio sobre estar no controle da situação porque aparentemente estar bêbada trás a tona tantos problemas que nem consigo por em palavras. ingerir álcool amplifica questões que já são problemáticas em condições normais. por exemplo, na vida em geral consigo identificar que tenho um probleminha com atenção. quanto mais atenção eu recebo, mais eu quero receber. bêbada isso é - com o perdão da palavra - um inferno.
a performance é algo complicado. ter em mente que a forma como você se apresenta para os outros é algo que muda conforme o que você quer mostrar para o outro. que mulheres tem que ser isso e aquilo. que relacionamentos são muito mais sobre poder do que sobre amor. eu não me considero uma pessoa amorosa. eu estou cada dia mais próxima dos caras do joguinhos de poder, que mostram um falso self. talvez por isso tenha me relacionado tanto com eles: também não quero ser vulnerável.
seleciono bem em quais situações sociais quero estar, especialmente as que envolvem álcool, porque não quero dar margem para minha cabeça ter uma crise de ansiedade gigantesca que me faz ir embora no uber chorando. achou ruim? pode achar aí da sua casa!
e quando saio são dias bons, vejo pessoas que eu quero, não me sinto esgotada, não estou fazendo nada para agradar ninguém. porque sim, eu não sei quantas vezes escolhi o lugar que eu estava indo ou a roupa que estava usando por causa de alguém.
a liberdade de dizer de antemão: não, não quero ver essas pessoas, não quero fazer tal coisa, não quero me tornar por uma noite a pessoa-que-mais-se-importa-com-a-opinião-dos-outros-no-mundo, isso não é suficiente pra mim. isso não sou eu. até sou, mas é a parte de mim que mais me tira do sério.
saí para jantar com uma das minhas melhores amigas que não via há um mês. sentamos, conversamos, comemos, tomamos uma caipirinha que estava incrível (1 drink em uma situação controlada: delícia), fomos embora cedo e me senti ótima. decidi um novo rumo da minha vida nessa conversa, literalmente.
para quem não sabe, o significado de ser introvertido é que sua bateria social se recarrega quando você está sozinho. enquanto o extrovertido se sente recarregado em situações sociais, o introvertido não.
o que eu quero dizer é que preciso muito fazer as pazes com meu lado introvertido sem achar que estou virando um ermitão (embora não vou negar que a ideia de largar tudo e ir morar numa fazenda afastada sem internet me atrai cada dia mais) e conseguindo sinalizar para as pessoas extrovertidas que me cercam que não estou maluca, só preciso de mais tempo sozinha.
quantas vezes eu saí de reuniões de projetos que envolviam dinâmicas e exigiam uma alta socialização com a cabeça estourando de dor. só consigo participar de eventos que envolvam dois dias seguidos de socialização com pessoas de quem eu gosto muito - e mesmo assim, no terceiro dia já estou chata e passada.
que eu me lembre do meu teste de personalidade (que é INFJ. como o gandhi, como o gandalf, a galadriel, o professor x, mas também como malucos como o stálin) minha extroversão e introversão são meio equilibradas, coisa de 53% de uma para a outra. isso significa que preciso de muito dos dois, eu acho. é que o lado introvertido é o mais difícil de entender.
ser introvertida é o lado que fazia me chamarem de chata, esquisita e etc. ser extrovertida era super validado positivamente. fácil de entender qual eu dava mais atenção, mesmo minha personalidade sendo 50% cada, né?
é meio difícil entender porque uma criança prefere ler um livro a conversar/brincar. embora eu ainda ache que adultos poderiam se esforçar um pouquinho para respeitar a individualidade de uma criança. enfim.
fato é que o estigma de você-tem-que-ser-social me fez entrar em muitas furadas, porque significava você-tem-que-topar-tudo. e se você não for topar tudo, precisa de uma boa justificativa. deixo aqui minha lista, caso alguém queira algumas ideias:
agora eu sou fitness / vou treinar/correr amanhã / todas as variações que mencionam treino e dieta - desculpas frequentemente aceitas porque todo mundo ama ver o outro ‘sofrendo’ para chegar em um ideal físico;
não quero ir / não quero beber - ninguém nunca aceitou essa desculpa da minha parte. sempre tive que complementar.
o alcoolismo me apavora - essa aqui, como todas outras frases muito sinceras que eu solto, assusta as pessoas e funciona muito bem.
tenho que estudar - bem recebida a depender do grupo.
não posso beber, furei minha orelha - funciona sempre. cogitando furar minha orelha todo mês.
me dá ansiedade - quem entende, entende.
hoje eu tenho apreço pelo meu lado recluso já que como mencionei o combo situações sociais + álcool + querer impressionar os outros me levava a (i) ressaca física, (ii) ressaca moral, (iii) crise de ansiedade tremenda. eu não tenho condições de topar tudo nem que eu queira. mas ainda me frustra quando me olham diferente quando eu pontuo que não vou beber hoje, obrigada. e eu acrescento que aguento ficar até as 5 da manhã com um redbull, animada, de boa - mas o problema não é minha animação. é fazer parte. e para fazer parte, não basta 1 drink.
no brasil, eu acho tudo diferente do fenômeno global gen-zs-parando-de-beber porque a bebida aqui está associada com o calor humano, com a sociabilidade e nunca é em pouca quantidade. a cervejinha no bar - que são vários litrões. a caipirinha - que são cinco caipirinhas. acho que no geral é muito difícil para as pessoas desassociarem uma coisa (beber 1 drink) da outra (beber até cair).
como todas escolhas pessoais, é um saco ter que justificar isso para os outros. me sinto muito tonta tentando explicar ao mundo que é possível beber 1 unidade de chopp e aproveitar o momento. eu não quero a ressaca moral, a ressaca física e quero prestar atenção no show da ana castela, muito obrigada.
e vale mencionar que, embora eu tenha começado a escrever esse texto achando que eu seria a introvertida chata que parou de beber para todo mundo, ainda existem pessoas legais que não estão nem aí para minhas questões com álcool e performance. e é com elas que ficarei!
that’s it, guys! espero que gostem. essa edição foi meio improvisada, não queria deixar de publicar em comemoração aos 1,5k de subscritos!!! mt mt mt obrigada
beijos
Admiro a sua coragem de bancar a sua decisão. Não estou falando de não beber em si e sim da atitude "é isso que eu quero, é assim que vou fazer". Tenho grande dificuldade em colocar a cerca para delimitar até onde as pessoas podem me invadir e quando eu tenho meus surtos de que o limite (que eu nem coloquei com todas as letras) foi furado eu o protejo com agressividade. Ainda tenho um longo caminho à percorrer, mas o seu texto mostra que tem mais gente tentando e conseguindo.
Sempre muito bom ter contato com pontos de vista de pessoas que estão seguindo o mesmo caminho que você está buscando trilhar. Diminui também meu consumo de álcool, apesar que, quando bebo, parar ainda é uma questão, então tenho preferido abrir essa exceção em raros momentos. Porém, sei que não é uma decisão que vai se manter, pois hoje, terça-feira, ainda tô pagando o pato da bebedeira de sexta kkkk. Sobre as desculpas, tenho ultimamente tentado ser sincera, minha sorte é que aos sábados de manhã realmente corro, então as pessoas já nem insistem mais kkk